domingo, 5 de setembro de 2010

MÚSICA PARA CRIANÇA É COISA SÉRIA

TRABALHOS DA PALAVRA CANTADA, PATO FU, ADRIANA CALCANHOTO E OUTROS ARTISTAS COMPROVAM QUE PRODUÇÃO FEITA PARA OS PEQUENOS DEVE APRESENTAR CONTEÚDO LÚDICO E INTELIGENTE.



          Fazer música para crianças não é uma tarefa tão simples quanto parece. É um trabalho que vai muito além de misturar palavras e sons para criar melodias baseadas na rima e na repetição rítmica. Por trás de cada composição, é preciso dar vida a versos e refrões que farão parte da educação infantil e que vão auxiliar no aprendizado da fala e da alfabetização, ampliar o vocabulário, introduzir novos conhecimentos, além de desenvolver a coordenação motora a partir de movimentos da dança e de sensibilizá-las para a música. “Tem que ter responsabilidade ao compor para o público infantil, pois tudo o que você coloca no CD ou DVD elas vão repetir. E isso exige concentração e dedicação diária. Não é algo que se faz da noite para o dia. Tem que se envolver e conhecer o campo que está pisando”, afirma Sandra Peres, vocalista da Palavra Cantada.

          Há mais de 16 anos no mercado de música infantil, a dupla Palavra Cantada – que também é composta pelo músico Paulo Tatit – produziu 12 CDs autorais, 4 DVDs e um repertório com mais de 100 canções, ultrapassando a marca de 1 milhão de álbuns vendidos. Suas músicas são feitas dentro de um padrão de qualidade que não subestima a inteligência mirim – ao contrário: as letras, melodias e arranjos são trabalhados de forma lúdica e poética para explorar as capacidades físicas, de memorização e de ritmo das crianças. O resultado tem agradado não só os pequenos, como também os pais e, especialmente, os professores de educação infantil, que passaram a adotar os álbuns como um complemento nas atividades escolares.

          Entre eles está o recém-lançado Livro de Brincadeiras Musicais da Palavra Cantada (Melhoramento), uma coleção com cinco volumes de livros, CDs e DVDs que traz 80 canções acompanhadas das letras e cifras das músicas e do passo a passo de como brincar em cada canção. As mídias ainda contam com o personagem do professor Beleléu, que apresenta conceitos musicais de melodia, timbre, pulso, compasso, ritmos como o balão e o maracatu, e os processos de construção dos instrumentos como forma de estimular o canto e a descoberta dos sons.

          “A criança é prática, então, não há nenhuma palavra apresentada nas canções de que não tenhamos levado em consideração o aspecto prático. Como é um trabalho focado no aprendizado musical, ela experimenta corporalmente alguns aspectos da música, que incluem ritmo, fraseado, timbre e aprende a distinguir um instrumento do outro. É só a partir da experiência e da vivencia que se consegue passar de fato um conceito para a criança, e as brincadeiras do Livro de brincadeiras da Palavra Cantada estimulam a desenvolvimento musical de forma abrangente, para crianças a partir de quatro anos”, explica Paulo Tatit.




PARA ADULTOS E CRIANÇAS


          Assim como a dupla Palavra Cantada, alguns artistas famosos, mas que não faziam trabalhos especificamente para as crianças, resolveram se aventurar para criar álbuns que favorecem a inteligência e a introdução ao mundo musical das crianças. Em 2002, Toquinho lançou o CD Herdeiros do Futuro, uma das ações do Projeto Guri para crianças e jovens carentes. No repertório, o cantor apresentou 13 canções que revelam fantasias e descobertas do universo infantil, como A Bicicleta e Aquarela. Inspirado no nascimento da filha Isabela, o casal Jair Oliveira e Tânia Khalil estreou nesse mercado com o álbum educativo Grandes Pequeninos, um projeto com músicas que ensinam, por exemplo, que as crianças devem andar de carro sentadas nas cadeirinhas. O disco tem participações de Jair Rodrigues e Luciana Mello, pai e irmã do cantor, e de amigos próximos, como Pedro Mariana, Seu Jorge, Simoninha, João Suplicy e Max de Castro.

           Arnaldo Antunes é outro artista que presenteou as crianças com um álbum com conteúdo expressivo. No ano passado, ele gravou Pequeno Cidadão, ao lado de Taciana Barros, Antonio Pinto e do guitarrista e compositor Edgard Scandurra. O CD Pequeno Cidadão foi pensado a partir de canções de ninar que todos criaram para seus filhos. Com 14 faixas que vão da bossa nova ao rock, o disco foi denominado pelo grupo como “música psicodélica para crianças” para destacar o conceito de que as produções infantis não precisam ser simples para tratar de questões como o momento de largar a chupeta. Agora, o Pequeno Cidadão será lançado em DVD, com clipes especiais.

          Sob o heterônimo de Adriana Partimpim, a cantora Adriana Calcanhotto também já lançou dois CDs infantis: o Adriana Partimpim (2004), que gerou o DVD Adriana Partimpim, o Show (2005), e o Dois, que recentemente virou o DVD Dois é Show e acaba de chegar às lojas. “A vontade de brincar de música me levou a investir em produções para crianças. Achei que seria interessante oferecer a eles um trabalho feito com muita dedicação e tenho sido feliz desde que essa aventura começou. Deixei-me contaminar pelo universo infantil e as canções foram me levando a montar um repertório rico em poesia e aspectos lúdicos”, conta Adriana Partimpim.

          A proposta dos trabalhos de Partimpim é incentivar o contato com a arte e revelar as diversas possibilidades da música através de melodias inspiradas em poesias de escritores que marcaram a literatura de língua portuguesa, algo quase impossível de se imaginar para o público infantil. No CD Dois, por exemplo, a canção O Trenzinho do Caipira traz a letra que Ferreira Gullar escreveu para a peça instrumental de Heitor Villa-Lobos, e Alface é uma versão de Augusto de Campos para um poema do inglês Edward Lear. Fatos históricos também deram asas às músicas presentes no álbum, como Alexandre, de Caetano Veloso, que conta a história dos amores de Alexandre, o Grande, príncipe e rei da Macedônia. O CD ainda traz músicas clássicas de João Gilberto, Erasmo Carlos, Vinícius de Moraes e Bob Dylan.

         Já o DVD Dois é Show é um complemento do CD e as crianças têm a chance de assistir a tudo o que é imaginado nas canções com a multiplicação de personagens interpretados pela cantora durante o show Partimpim. A experiência de produzir para crianças tem sido tão agradável e empolgante que Adriana Calcanhotto garante que haverá novos trabalhos para elas. “A ideia é criar discos enquanto houver vontade e repertório que justifique. É tão divertido fazer o que todo mundo deveria experimentar. Não existe nada como olhinhos de criança brilhando na escuridão de uma plateia”, confessa Adriana.




MÚSICA DE BRINQUEDO


          Com um projeto ousado, a banda mineira Pato Fu também se aventurou no mundo dos pequeninos e surpreendeu com o recente lançamento Música de Brinquedo. As 12 faixas do disco foram gravadas com instrumentos infantis que os integrantes do grupo adquiriram para presentear seus filhos (e que permitiam reproduzir qualquer som afinado), além de alguns ligados à musicalização infantil. Entre eles, guitarra em miniatura, caixinha de música, xilofone de latão, apitos, calculadora, um telefone de plástico e até mesmo um jogo Gênius, que simulou um saxofone. “Nem todos os instrumentos de brinquedo são “tocáveis” e separar as tranqueiras das verdadeiras joias foi uma empreitada e tanto. Fizemos bastante pesquisa em lojas, oficinas artesanais e sites. Eu, por exemplo, nas viagens que realizei nesse período, voltava com a mala cheia de cornetas de plástico, tecladinhos eletrônicos baratos e qualquer tipo de traquitana que tivesse um apelo infantil”, revela o guitarrista Jonh Ulhoa, produtor do CD.

          Para deixar bem claro a presença desses instrumentos, todas as canções escolhidas para o CD são releituras de clássicos nacionais e internacionais, como Ovelha Negra, de Rita Lee, Sonífera Ilha, dos Titãs, e Love Me Tender, de Elvis Presley. “Os arranjos de brinquedo teriam um efeito muito mais potente se aplicados a produções conhecidas, que tivessem arranjos emblemáticos. Assim, ouvimos velhas canções adultas e tiramos praticamente nota por nota, só que com instrumentos de brinquedo”, conta Ulhoa.

          A principal dificuldade para a gravação foi unir a afinação dos instrumentos e harmonizá-la aos arranjos. Isso sem contar o trabalho de tocar brinquedos que, muitas vezes, mal cabiam entre os dedos. Mas, para a vocalista Fernanda Takai, o resultado foi gratificante, especialmente por se tratar de um álbum que contou com a participação da própria filha, Nina Ulhoa, com o guitarrista da banda. “As crianças têm gostado muito e os pais que compraram o disco também cantam e querem logo ver o show! Acho que esse disco tem a função de diversão para a família. De um jeito bem simples e despretensioso, mostramos que os brinquedos que temos em casa podem ser usados para fazer som de verdade. É para brincar de tocar e cantar”, afirma Fernanda.



(Almanaque Saraiva – OUTUBRO / 2010)